quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Por um Saci saradão

De boas intenções o inferno está cheio!
Vivemos num mundo cada vez mais chato, dizem alguns. Os certinhos
equivocados formigam por todos os cantos, tentando patrulhar hábitos,
palavras, imagens, ideias. O grave de tudo isso é que a sanha
policialesca campeia em nome de um mundo melhor, mais livre e puro.
Balela!
Não diga favela, lepra, negro, mulato, anão, gay, caolho!, é o que nos
recomendam os censores progressistas. Atuando sobre a língua (um
epifenômeno), acreditam eles (e elas, para ser politicamente correto),
transformaremos as pessoas (e os pessôos), desterraremos os preconceitos
e ódios que há milênios acompanham a humanidade. Pantomima
foucaultiana!
O folclore – até o folclore! – tem sido vítima dos bonitinhos mas
ordinários. “Atirei o pau no gato” é coisa de maníaco zoocida. “Cai,
cai balão” é música para potenciais piromaníacos. Nunca cante “Dorme
neném” para seus filhos, afinal a imagem da Cuca pode criar traumas
insuperáveis para sua prole! Além disso, a passagem “mamãe foi pra
roça” tende a reforçar uma concepção machista e estereotipada de
mulher, demasiadamente presa aos afazeres domésticos e conjugais.
Um dos últimos alvos (uma verdadeira praga do Egito) dos neopuritanos
é o cigarro, ou melhor, os fumantes. Em nome da ciência e da saúde
coletiva, os fumadores, assim como os leprosos de outrora, estão cada
vez mais excluídos, cerceados. Que tal criarmos fumerários (leprosários pós-modernos) para isolarmos essa estirpe degenerada que insiste em se autoagredir e
agredir os saudáveis habitantes das límpidas megalópoles industriais?
Saci, meu irmão afrodescendente e portador de necessidades especiais,
pare de fumar cachimbo! Se continuares com esse hábito, em breve
acharão que és viciado em crack. Será que não percebes que o fumo faz
mal a sua saúde? Ah, diz pra Cuca fazer lipoaspiração e cirurgia
plástica e agende algumas sessões de fisioterapira para Curupira. Essa
história de impressionar crianças com fantasias esdrúxulas não é nada
agradável.

domingo, 5 de julho de 2009

Da série antropomorfia – A melancia às avessas

Segundo um amigo meu, durante o regime militar os membros do Exército identificados com o Socialismo eram chamados, por seus superiores, de MELANCIA. A razão era simples: nacionalistas por fora, alimentavam uma paixão interna pelos "vermelhos".

Hoje, mais de vinte anos após a saída do último general da presidência da República, vivemos uma situação quase inversa. Em tempos de alteração genética, a melancia inverteu suas cores. A metáfora, apesar de não ser tão sofisticada quanto às do nosso presidente, serve para ilustrar os dias atuais.

Vermelha por fora, a trepadeira da espécie Polimorphus trambiqueirus é extremamente verde e amarga por dentro. Dentro de sua casca dura, quase impenetrável, a poupa - supostamente o melhor do fruto - conserva-se verde e imatura durante todo o ciclo de vida da cucurbitácea. Orgulhosos, os cientistas responsáveis pela experiência afirmam que o vermelho encarnado da casca é extremamente atraente aos consumidores, diferenciando-se de tudo o que havia existido até então em matéria de melancia. Com a palavra, o biólogo russo JOSEPH S. DIRCEUKOVSK: - Nossa melancia representa uma revolução e não tem nada a ver com aquelas velhas melancias esverdeadas do passado. Cultuamos o novo. O belo está na novidade!

O que Dirceukovsk não explicou é que a Polimorphus é muito sensível às intempéries e que se corrompe com muita facilidade e rapidez. Diante deste fato, podemos tirar uma das poucas conclusões inequívocas para o ano de 2006: agora em outubro teremos uma eleição HORTIFRÚTICA. De um lado o CHUCHU, coincidentemente uma trepadeira também pertencente à família das cucurbitáceas Do outro, um espécime da Polimorphus trambiqueirus, que, apesar da propalada inovação positiva, não tem sido muito entre os consumidores mais exigentes. bem-aceita

É uma questão de tempo: nos próximos quatro anos continuarão a aparecer, inevitavelmente, as abobrinhas, os abacaxis e os pepinos. Enquanto isso, nós, o povo, continuaremos com a nossa batata assando e recebendo bananas dos donos da quitanda.

PS: Escrito com a letra "X", XUXU significa que ou quem é mau ou endiabrado; que ou quem não é limpo. Será este um critério relevante para escolhermos a melancia?

(Texto redigido em 16 de outubro de 2006 para as eleições presidenciais.)

Da série antropomorfia - Os superpredadores

Talvez seja angustiante por conta de nossas crenças antropológicas, mas o fato é que compartilhamos, juntamente com leões, tubarões, lobos e outros seres a condição de superpredadores, ou seja, de animais que ocupam o topo da cadeia alimentar. Angustiante, talvez, por sabermos que a nossa posição de destaque não foi capaz de nos transformar, apesar da interação inevitável com a cultura, em seres melhores e mais equilibrados.

No Brasil, considerado privilegiado em sua biodiversidade, a extinção de alguns superpredadores históricos desencadeou um processo de rearranjo na cadeia alimentar. De acordo com os especialistas, o clima catastrófico dos dias atuais, somado a morte de algumas espécies de RAPOSAS e MACACOS, abriu espaços para que seres intermediários ocupassem o topo. No estado de São Paulo, por exemplo, a poluição imperante acabou por completo com o equilíbrio ecológico, permitindo a inusitada prevalência dos SAPOS e TUCANOS sobre todos os outros animais. Segundo a bióloga Márcia Glenadel, do Departamento de Zoologia da USP, o sapo da espécie "Bufo barbudensis" e o tucano "Ramphastos alckiminus" chegaram ao cume utilizando-se de estratégias simples mas eficazes no processo de seleção natural.


Hábil na arte da metamorfose, o "Bufo barbudensis" impõe sua supremacia inflando-se desmedidamente, o que lhe dá uma feição grandiosa e valente. Possuidor de cerdas faciais, esta espécie emite sons incomuns, tornando-se realmente assustadora quando se encontra sob ameaça. Mais discreto e aparentemente inofensivo, o "Ramphastos alckiminus" elimina os adversários por meio de suas fezes tóxicas. Em contato com qualquer superfície, o material fecal deste tucano assume uma coloração dourada e atraente, derivando deste fato o nome "alckiminus" (uma referência aos alquimistas medievais). Em comum estes dois exemplares possuem o hábito de viverem harmoniosamente, numa perfeita simbiose, com todas as espécies de RATOS e PORCOS.


Em tempos de ilusionismo animalesco, nós da espécie Homo sapiens sapiens corremos grande perigo. Baseando-se nas considerações do italiano Giovanni Sartori, que afirma a prevalência contemporânea da espécie Homo videns (organiza sua conduta apenas por meio das sensações, das emoções propiciadas pela habilidade visual), o renomado cientista brasileiro Roberto Bitencourt emite o alerta: - No Brasil, cepas inteiras de petistas pertencem a esta nova espécie. Marqueteiros e pseudo-intelectuais têm criado o caldo de cultura necessário à proliferação da mesma. Se este processo continuar, em poucos anos o Homo sapiens sapiens não será mais do que um mero vestígio, soterrado por belas imagens e discursos superficiais.


(texto redigido em 25 de outubro de 2006 para as eleições presidenciais)

Cristo, o eleito

O povo brasileiro é realmente excepcional, pois conseguiu reeditar, em termos modernos e democráticos, a condição histórica de Jesus de Nazaré. Agora a verdade não se revelou por meio de línguas mortas e pretéritas, por intermédio de traduções equivocadas e confusas da Bíblia. Nos tempos modernos, Cristo foi eleito graças à mídia e aos milhões de telefonemas e cliques na Internet.

É fato, porém, que a democracia ainda apresenta suas imperfeições. No passado, o Redentor teve mais prestígio: em seu nome houve Cruzadas, sangrentos conflitos religiosos, extermínio de indígenas e outras iniciativas maravilhosas da humanidade, que procurava elevar o nome do Salvador. Nos dias de hoje, ao contrário, Cristo teve que se contentar com um terceiro lugar. À sua frente estão a Muralha da China, este fenômeno mundial que se expande com pastéis e bugigangas piratas, e Petra, na Jordânia, cuja escolha constitui um indício da força representada por aqueles povos terroristas vindos do Oriente Médio.

O bom de tudo isso é que os europeus e norte-americanos ficaram fulos. Andaram dizendo, inclusive, que o Brasil ganhou por ter mais de 180 milhões de habitantes, o que prejudicou países como a Espanha e a Grécia, cocozitos populacionais. Quem mandou se reproduzirem pouco?! A França contestou o número total de votos, insatisfeita que está com a não-eleição daquele esqueleto de lata que eles chamam de Torre. Os Estados Unidos, coitados... a Estátua da Liberdade, bem-representada nas iniciativas “libertárias” dos últimos 20 presidentes norte-americanos, não conseguiu chegar nem perto.

Devo admitir que não votei nem votaria no Cristo. Não que eu não goste deles (do bíblico e da estátua). Também não é por antipatia à cidade do Rio de Janeiro, afinal tenho orgulho de ser são-cristovense e carioca. Sei que poderá parecer exagero, mas a eleição do Cristo Redentor, obra que demorou pouco mais de cinco anos para ser finalizada, expressa um pouco do que somos: uns preguiçosos deslumbrados. Queremos ter maravilhas, queremos ser maravilhosos, mas nos esforçamos muito pouco para isso. O que vale, no fundo, são as aparências e as opiniões elogiosas da gringalhada espertalhona.

E o Lula, hem? Do jeito que ele gosta do Rio e do Brasil, deve ter votado secretamente no monumento ao Imigrante Italiano.

(Texto redigido em 17 de julho de 2007)

Pela renovação da Antigüidade Clássica

Com a nossa capacidade de reinventarmos o que está posto, acabamos criando uma nova origem para a palavra tragédia, que na Grécia antiga significava “canto do bode” (oucanto ao bode”, segundo alguns). Mas como não pega bem, nos dias de hoje, ficarmos cantando para caprinos (prática de gregos ímpios e bêbados), trocamos o CD e passamos a ouvir outra música e a ter outro objeto de veneração. A nova onda é o “canto ao BOPE” (oucanto do BOPE”, tanto faz).

Nestas últimas semanas, parentes e amigos, reacionários e progressistas, bebês e idosos foram unânimes nas considerações elogiosas sobre a mais recente febre do mercado paralelo cinematográfico nacional: o filme Tropa de Elite. Admito que tentei resistir, mas o cerco ficou insuportável. Após conversar com um taxista, que regozijava-se e contorcia-se ao descrever cada cena do filme, decidi ceder aos encantos dos amigos camelôs. Antes disso, porém, tive a oportunidade de efetuar a apreensão de um DVD, portado por um cidadão-aluno meu, uma criança de 11 anos que tentava, entusiasticamente, reproduzir em seu caderno escolar o crânio perfurado com um punhal, desenho lúdico que ilustrava a mídia pirata.

Ansioso
por compartilhar das mesmas emoções vividas pelos amigos, embarquei na história narrada e curti cada “pipoco” dado por vagabundos e policiais, cada tapa e tortura empreendidos pelos agentes do BOPE. Não tenho dúvidas, Tropa de Elite é um ótimo filme de ação. Ao final da película, tive a quase certeza de que os problemas da violência estariam resolvidos se os “homens de preto” fossem em maior número e tivessem mais espaço para agir. A conclusão é lógica: se reprimirmos os pobres, os policiais corruptos e a classe média consumidora (travestida de elite no filme), conseguiremos sufocar, estrangular e extirpar o cancro social das drogas. me imagino com um fuzil na mão, dando tiro como um Capitão Nascimento. Celebremos a mais nova e genuína tragédia nacional!

A pergunta da vez, no entanto, feita por um delegado da Polícia Civil, é a seguinte: o Rex morde o dono? Se o dono é corrupto e bandido, o Rex vai latir, morder e matar somente quem o dono quiser. Isto me parece mais lógico!

Abraços

Marcmagand


PS: Cabralito, nosso governador, disse ter ficado impressionado com as cenas de corrupção e tortura, com a bagunça nos batalhões e com o estado precário das viaturas policiais. É espantoso como a arte pode ser didática para os políticos ingênuos e bem-intencionados (inclusive para aqueles que recebem propina desde a mais tenra idade).