sábado, 26 de janeiro de 2008

O retorno à Belle Époque

Não me lembro ao certo, sei que era alemão, judeu e barbudo, e disse que os fatos e personagens de grande importância na história ocorrem duas vezes: a primeira como tragédia, a segunda como farsa.

Por não saber nada sobre o Brasil, este eminente senhor oitocentista se esqueceu de dizer que não os grandes fatos e personagens são plagiados pelos medíocres contemporâneos. Aqui, também os imbecis são copiados e exaltados como figuras proeminentes. Quem não se lembra da postura “cesarmaiesca” nos primeiros anos de sua administração municipal? Esburacava ruas, juntava entulhos, erguia postes e chafarizes superfaturados numa tentativa de imitar o Haussmanm tropical. Mais recentemente, um governador corrupto e com cara de bom menino tentou (e tenta) reeditar os espetáculos pirobológicos (gostei dessa palavra) do nada saudoso Moreira Franco, que garantiu acabar com a violência no Rio em seis meses.

Dentro desta “onda” de macaqueação, que não tem nada de nova entre nós periféricos, acabamos por ressuscitar a Belle Époque. Hoje, “como nunca antes na história deste país”, os banqueiros caminham livres, leves e soltos, fazendo propagandas de agiotagem na TV com artistas bonitinhos e engraçadinhos. Poucos dias atrás, uma simpática empresa de telefonia, campeã em reclamações no PROCON, anunciou sua intenção em se estender a quase totalidade do país para ofertar seu serviço deveras barato e de qualidade.

Celebremos o retorno ao liberalismo e aos monopólios capitalistas do século XIX!!! Comemoremos o Estado defensor... do grande capital e da repressão aos mais pobres. Agora não falta mais nada para nos sentirmos de volta à idade de ouro da humanidade. Até a febre amarela, que naquela época matava filhos de imperadores e de presidentes, voltou para dar um certo glamour aos novos tempos.

(Texto redigido em 24 de janeiro de 2008)

A carne é fraca

Não vou negar, os créditos são do presidente cefalópode. “Cortar na própria carne, se necessário” foi uma das afirmações mais fortes e impactantes do “samambaia-chorona”, quando teve que demitir o ministro cardeal Dirchelieu.

Pois é, amigos, deve ser realmente doloroso fazer um corte (ainda que ele não tenha sido feito de fato, no caso supracitado), mas às vezes parece necessário. No Brasil, país de canduras, branduras e rapapés, é praticamente impossível fazer cortes ou até mesmo críticas aos irmãos de fraternidade. Digo isso, não pensando na esquerda, como alguns poderiam imaginar, mas na base de sustentação desta, ou seja, no funcionalismo público.

Usuário de serviços públicos desde a mais tenra idade (nasci no hospital maternidade da Praça XV), percebo-os como algo imprescindível, fundamental se desejamos uma sociedade mais justa e democrática. O diabo nessa história é que o funcionalismo público não é uma abstração, não é um ente que paira, ideal e absoluto, sobre tudo e todos. Ordinário dizer que ele é composto por pessoas, por membros de uma dada sociedade e cultura que, no caso brasileiro, parecem não ter nenhum compromisso com a chamada República. Em tempos de faculdade soava mal, parecia reacionário fazer críticas aos simpáticos funcionários que deixavam a desejar no cumprimento dos seus deveres. Naquela época, a culpa máxima recaía sobre o sociólogo traidor, o mercenário que rifava todo patrimônio que estivesse à mão. Nos dias de hoje, contudo, não tenho maiores pudores em ser contundente com os “palhares”, “peixotos” e “mendonças” que pululam nas repartições públicas deste Brasil. Muitos são vagabundos, sim, são demagogos, sim! É muito fácil encontrar discursos afiados e progressistas mascarando práticas desleixadas e até mesmo desonestas. Não esqueço uma colega que afirmou preferir ganhar R$ 400,00 na escola pública a receber o mesmo valor na escola privada. Para meu espanto, o argumento foi o de que na pública ela poderia apresentar inúmeros atestados médicos, que lhe permitiriam fazer bicos por fora. Da mesma forma, ouvi um policial civil dizer que participava de esquemas ilícitos com combustíveis porque seu salário, de R$1.400,00, era insuficiente para uma vida digna.

E assim abrimos janelas para o infinito; criamos, sem muita dificuldade, justificativas para nossos escorregões, nossa incompetência e falta de compromisso com a coletividade.

(Texto redigido em 24 de janeiro de 2008)