quarta-feira, 25 de julho de 2012

Gente e sentimentos flutuantes ou Ode a um jeito afrolusotupiniquim de ser


“O Brasil é lindo, Krishna é lindo”, diria Caetano se anteontem estivesse no Antônio Carlos Jobim.
Tudo começou discretamente: de um lado, uma moça tatuada ostentava a imagem de Krishna; de outro, duas meninas, coloridamente trajadas, entraram tocando instrumentos. Em pouco tempo, o pátio estava tomado por jovens e sandálias, cabeças raspadas e rabichos de cavalo que dançavam alegres, em círculo, e contagiavam a atmosfera do lugar.
Mas a beleza da cena não estava na manifestação em si. Estava no entorno, na quase tolerância dos que assistiam a tudo. Assim que a música tomou o ambiente, um baixinho gingou o corpo como se estivesse entrando numa roda de capoeira. Sorridente, uma recepcionista jeitosa requebrou o quadril e postou as mãos como se fosse iniciar a dança do ventre. Meninas recém-chegadas ao Rio saltitaram em fila, simulando uma quadrilha junina.
Para o bem ou para o mal, nossa capacidade de reinterpretar símbolos e rigores alheios nos faz diferentes. E belos. Nossa ignorante falta de rigor traz problemas vários, é certo. Mas também nos deixa à vontade para assimilar e conviver com o que parece bom. Algo muito próximo do que disse Gilberto Freyre sobre os portugueses: “o bambo equilíbrio de antagonismos reflete-se em tudo que é seu; dando-lhe ao comportamento uma fácil e frouxa flexibilidade.”
Outro dia, na antiga Brizolândia, uma jovem fotografou entusiasticamente a imagem feminina que compõe o monumento a Floriano Peixoto – homenagem dos positivistas ao “Marechal de Ferro”. Perguntada sobre o simbolismo da mulher, a menina disparou:  “É Iemanjá, não é?”. Quase isso, pensei eu. A imagem representa a “raça mista”, surgida da fusão das três etnias, e o predomínio do sentimento e do amor.  
No Arpoador ou na Quinta da Boa Vista, a convivência pacífica entre os suburbanos “zona-nortistas” e “baixadistas” e os pretensiosos vanguardistas da zona sul nos dá uma ponta de esperança: guetos, multiculturalismo, recortes de gênero, de raça e de opção sexual são alienismos extratropicais. Nossas insanidades são outras. O interessante é que no fim prevaleça a vontade de se misturar, “sifilizar”, fundir. Somos mais. Somos melhores. Só precisamos de um tantinho de seriedade e concentração.